A Propósito de Respeito e da “Juventude de Hoje”

“Eles agora até tratam os pais por ‘tu’…, como é que pode haver respeito?” – perguntava (há uns anos atrás, ia eu para a escola), um velhote no autocarro, falando com outro, acerca da “juventude de hoje”.
Lembro-me que na altura isto fez-me confusão, o que é que isto tem a ver com respeito?
Dantes, quando eles eram jovens tratavam-se, entre desconhecidos, por você ou senhor, aos 14 anos.
Mas também dantes, as mulheres não trabalhavam, nem saíam de casa, os homens batiam-lhe (mais); a 4ª classe era escolaridade; era proibido passar a fronteira; não havia televisão; o parto na maternidade era para os ricos e para a larguíssima maioria da população, a água ia-se buscar à fonte e a retrete era um anexo.
Hoje temos o Professor Marcelo, a Via-verde e o Bloco de Esquerda. 

O respeito não tem prazo, mas tem regras que o senso comum vai adaptando aos tempos, mas tão grave ou mais, do que a falta de respeito que os filhos têm pelos pais, parece-me a falta de respeito que os pais têm pelos filhos.

Esta é o princípio, é onde tudo começa. Esta raramente é estudada, criticada ou condenada. Esta é geradora da primeira. Esta sim é corrosiva, rasteja pela sociedade de baixo para cima e vem de onde ninguém dá importância, é ancestral, legitimada por milénios de brutalidade primitiva, de prevalência da lei do mais forte acima de qualquer sentimento ou emoção e impermeável a qualquer grau de relação. É profunda e intrínseca e acompanha o paradigma que, os mais velhos é que sabem, “não se contraria uma pessoa mais velha”. Veneno que a civilização a poucos terá desintoxicado. 
Os pais mandam calar os filhos porque estão fartos de os ouvir, “não há pachorra”; fecham-nos no quarto para terem sossego, mandam-nos para a cama ou para a rua para poderem “estar em paz”, batem-lhes para libertar a raiva e porque precisam de ver o seu domínio, a sua superioridade, na impotência e fragilidade deles.

Depois, dão-lhes dinheiro (a mais) para sossegarem a sua consciência, salvo seja! Em muitos casos, os pais assustam-se, quando vêem que os filhos já têm uma pila maior que a sua, e que as miúdas “boascumómilho” das suas parolas fantasias, são afinal as que vão com o filho para o quarto. As mães, chegam à terra quando se apercebem que já não é para elas que os gajos giros olham babados… é para as filhas. Por vezes vêem-se pais a gozar os filhos em frente aos seus amigos. Crianças, ou não tanto, sentem-se então humilhados  e não têm direito, nem saberiam, muitas vezes, responder. As mães, frequentemente ridicularizam e desdenham as filhas e os seus dons e dotes, numa tentativa desesperada de as ofuscarem e de as manterem mais uns momentos à sombra da sua corôa de lata. Não fazem por isso, mas de algum modo isto fica guardado não muito fundo, à espera, durante anos. Algumas mães entregam-se ao ridículo tentando competir, via “make-up”. Alguns pais tentam competir com tudo o que têm à mão até se aperceberem que não têm nada. Noutros tempos os homens faziam-se pela mão dos pais, com a primeira ida às putas (entre nós homens, é assim que falamos, quais meninas), aos dezasseis anos. Hoje os pais vão às gajas, (“não é a mesma coisa”) à quinta-feira com os amigos e as mães dão uma nota aos filhos, para se verem livres deles…
Estes paizinhos e mãezinhas vulgarmente dão e tiram no mesmo gesto e apesar de ilusoriamente seguros e circunscritos ao seu umbigo, sabem o que fazem e o que estão a criar.

Descobrem consolo quando se sabe que o filhos dos amigos ou dos vizinhos está metido numa alhada. – “aquele é que é…”, – quanto aos seus, acreditam que têm tempo e “eles ainda são miúdos” – “pró ano quando começarem as aulas isto vai mudar”.

É como aquele meu amigo que tinha no bar uma tarja que dizia “amanhã as bebidas são de borla” – mas tempo é durante muito tempo aquilo que os filhos têm a mais! E cegos recusam-se a encarar que os filhos vão, em breve, pagar (caro) o fardo da educação(!) que tiveram e cobrar mais caro para se livrarem dele. E certamente vão dividir a despesa com a sociedade primeiro e com os seus filhos depois. Aqueles a que a inteligência não ajuda muito, sentem-se no direito de defecar sobre a sociedade a merda que os pais lhes serviram a vida toda, a alardear o vómito moral em que chafurdaram.

Porque os pais, tendo apenas uma vaga ideia do que é “o” respeito, moldaram-nos ao medo, pelo medo. Que é a forma mais à mão, de conseguir o que queremos. Não é? As adivinhadas e “da idade” chamadas à escola que, (“tenho mais o que fazer”) prenunciam algumas vezes, as horas na esquadra (“foram eles que as fizeram… agora aguentem-se, aprendam”). A culpa? das companhias, “da educação que têm em casa”; dos professores, que “não têm mão neles”; da televisão, “só dá porcarias, é pra isto c’a gente paga”;  dos drogados que “andam de volta deles, não os largam”; do buraco do ozono e daquelas porcarias todas que há agora que só fazem mal à cabeça. E é então que vão repetindo para apaziguar o seu sucedâneo de consciência: “não há respeito nenhum, isto dantes não era assim”… era, era! Já é.
E entretanto os tais “jovens de hoje”, em desprezo e desrespeito militante sem destinatário certo, vão provocando estragos e espalhando animosidade, por tudo e todos os que os rodeiam. 
E depois vão ter filhos…


 

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This Post Has One Comment

  1. Anónimo

    Pois, concordo.
    Triste é que essa dos "jovens de hoje" começa cada vez mais cedo a ser utilizado por gente mais jovem de idade mas com um espirito todo enfilhaputado pela idade e adversidades causadas pela tentativa de sobreviver, e quando chega a altura, culpa-se sempre o próximo, o que não está ali para se defeneder ou se estiver ali é porque não se sabe defender. Enfom, mudam-se os tepos muda-se a vintade, mas a lobotomia a que nos fomos iniscuindo, avassala-nos cada vez com mais temor as nossas carnes, e tudo isto e só por isto, por causa dos "jovens de hoje"
    Rui, está muito bem redigido, abração.

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