A Incompetência

A incompetência não é uma doença nem uma condição patológica que me mereça qualquer espécie de compaixão ou simpatia. É sim, um estado de estar! De aceitar o mínimo como bom; de nada exigir de si porquanto o prejuízo seja dos outros; um egoísmo assoberbado e uma renúncia à empatia, um repúdio pelo equilíbrio da convivência social, uma cobardia. É um defeito!
Adquire-se, cultiva-se e tem terreno fértil numa sociedade onde a inteligência serve para muito pouco, a não ser talvez para proveito do próprio – esta sociedade, em que somos governados, dirigidos e legislados por impostores, ilusionistas e charlatães espertos.
O seu advento dá-se à saída do berço e em volta da mesa de jantar e forma-se mais facilmente num intelecto limitado ou omisso. (Forma-se mais facilmente, mas não é restringido nem sintomático, porque as pessoas parcas de intelecto, não são só por isso incompetentes). Beneficia de educação deficiente e de ambientes familiares em que os elementos dominantes sejam incompetentes até como educadores.
Molda-se nas crianças confundida na educação, pelo que ouvem dizer e principalmente no que veem fazer aqueles que as rodeiam. E as crianças desde muito cedo veem e ouvem muito bem!
Como a maioria dos casos é grosseiramente ignorada pela família, pode vir a manifestar-se apenas na escola, junto das outras crianças e dos adultos até então desconhecidos, quando simplesmente a criança não sabe estar nem conviver longe da displicência do alvéolo familiar e revela-se incompetente para aprender, incompetente, para partilhar ou para competir sadiamente e sobretudo incompetente para respeitar.
Os pais por vezes até lamentam as incompetências dos seus filhos, – chamando-lhes outras coisas como azar, injustiça, sina, “geniozinho”, mau-feitio, etc. – ao mesmo tempo que declinam “eventuais” responsabilidades, o que em boa verdade está correto, uma vez que cedo abdicaram dos estatutos de educadores. Então, se os filhos se portam mal em casa, a culpa é das companhias da rua; se têm más notas na escola, é porque os professores não prestam, e os fracassos que se vão sucedendo, devem-se à sociedade em geral, ao sistema, aos governos, em suma, aos outros. Já adultos serão incompetentes para aceitar a ordem, qualquer que seja, a normalidade e a razão do bom senso. Possivelmente não terão a competência da paciência, a competência da compreensão, a competência da ponderação.
Se conseguem ainda assim, ultrapassar os sobressaltos da infância e juventude e a incompetência vai revelar-se em adultos já encaixados na sociedade, então está resolvido.
Isto porque a sociedade em geral sofre de um complexo protecionista difícil de explicar, que permite e até incentiva os incompetentes a circularem e a conviverem com os outros cidadãos, como se fossem pessoas normais.
Este protecionismo corporativista testemunha-se pelo elevado número de incompetentes que ocupam altos cargos na sociedade, sobretudo no estado e nas grandes corporações, cargos esses, que quase sempre ultrapassam largamente as suas capacidades intelectuais e humanas.
Este pequeno contratempo é facilmente contornado, atribuindo-lhes poderes bastantes que os desviam dos processos de seleção por mérito e rodeando-os de incompetentes mais profundos do que eles próprios.
A incompetência está em algum ponto, na base de todos os estragos que vamos fazendo ao nosso mundo e à sociedade. Os seres humanos mentem, são violentos, são desonestos, são egoístas ou simplesmente são maus, porque na base do seu carácter está uma qualquer incompetência que os assombra.
As estirpes são muitas, mas se eu tivesse que eleger uma como a mais nefasta, seria a incompetência para a gestão do tempo, que é talvez a mais dissimulada e arrasta-se invisível à nossa volta ao longo dos dias, provocando silenciosas teias de reações.
Os efeitos são facilmente confundidos com falta de responsabilidade, distração e mesmo falta de tempo e leva a que os portadores estejam sempre atrás ou depois da vida que passa.
Começam tudo tarde demais desde sair da cama, e depois fazem tudo à pressa, atrasam-se, esquecem-se, atrapalham-se, enganam-se, desculpam-se, confundem-se, irritam-se e acabam a ser uma má companhia, transferindo ao longo do dia para todos os amigos, colegas e estranhos, a má disposição que teima em dominá-los. E vão preencher o dia como pais, mães, educadores, políticos, polícias, médicos, juízes, motoristas, vendedores, pilotos, muitos milhões vão passar o dia a tomar decisões momentâneas ou permanentes cuja justeza e mérito dependerão da clareza de espírito e muitas ainda serão conduzidas pela animosidade que lhes causa quem está à sua frente, simplesmente porque é quem está ali.
A incompetência pode ser vocacional, mas mesmo assim, há um imenso leque de carreiras compatíveis com incompetências
específicas.
Por exemplo, um cidadão que tenha no dinheiro a sua única motivação, pode fazer carreira como contabilista ou quiçá dê um bom manobrador de grua, mas é incompetente para ser médico ou advogado; um cidadão racista ou xenófobo é incompetente para educar uma criança, mas até pode ser um excelente um pescador de largo, ou guarda-florestal;  um cidadão que não
seja paciente e dotado de empatia, não é competente para nenhum tipo de atendimento público, mas pode viver como guarda noturno ou como operador de farol.
Se houvesse um direito de circulação e convivência, nivelado e ditado pela competência, todos os sistemas sociais como o nosso, hierarquizados pelo estatuto da profissão (e não capacidade profissional), iriam por terra, porque é muito mais valioso e benéfico para todos, um porteiro ou uma engomadeira, um engraxador ou um condutor de autocarro, um estafeta, um decorador de montras, um assador de frangos, ou um afinador de pianos competentes, do que toda uma equipa de médicos ou uma firma de advogados incompetentes.
Mas não é assim e ao contrário do que seria desejável, os incompetentes atraem-se, entendem-se, formam equipas consistentes de autojustificação mútua e formam até casais, dando origem natural a famílias com elementos aparentemente normais, mas provavelmente incubadoras de incompetência.
E o ciclo continua com a indiferença da natureza nossa mãe, porque se a natureza tivesse um sentido de justiça em causa própria, quando duas pessoas, incompetentes para criar e educar uma criança se juntassem, seriam incapazes de gerar qualquer criança.
A Terra seria então um belo paraíso – sem problemas demográficos.

 

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